O Congresso-espectáculo de Espinho serviu para consagrar José Sócrates como senhor absoluto de um PS rendido à sua vontade e à perspectiva de, com ele, ficar mais quatro anos no Governo. Nada de estranho nem de inesperado. Os partidos orientam-se pelo poder e qualquer outro na situação actual do PS teria o mesmo tipo de comportamento, mais ou menos acrítico, mais ou menos unanimista.
Os delegados aos congressos são o corpo de qualquer máquina partidária e o que a do PS fez em Espinho foi dizer que, apesar de todos os desaires e peripécias, Sócrates continua a ser a sua aposta. Desde logo, porque ainda mantém, por mérito próprio e demérito alheio, um capital de confiança invejável, se as sondagens valem alguma coisa. Depois, porque as maiorias absolutas tendem a projectar de tal forma os seus líderes, que estes acabam por 'secar' tudo à sua volta, como se dizia de Cavaco Silva quando chefiava o PSD e o Governo.
Este efeito perverso recai, em primeiro lugar, sobre o próprio partido, onde os virtuais concorrentes ou simples discordantes enfrentam - e não forçosamente por medo - as maiores dificuldades para encontrarem espaço e condições para se afirmarem.
Manuel Alegre percebeu isso mesmo e daí não ter ido a Espinho. Mas, por mais absurdo que nos pareça alguém aceitar pertencer à Comissão de Honra de uma reunião deste tipo para depois nem sequer comparecer, sem que se conheçam impedimentos atendíveis, a sua badalada ausência serviu ambas as partes. Serviu o próprio Alegre, porque manteve e até aumentou as suas distâncias em relação à liderança - seja apenas para manter o 'jogo' de pressão dos últimos anos seja para se afastar, de facto, do partido. E serviu igualmente Sócrates, porque, se tivesse ido ao Congresso, Alegre não podia limitar-se a ouvir. Assim, poupou a direcção do PS a uma chuva de críticas, permitindo-lhe sair de Espinho com um partido na aparência unido e mobilizado em torno do líder. E ofereceu-lhe ainda a possibilidade de fazer o papel de uma liderança generosa e tolerante, que não deixa de convidar os adversários ausentes para os órgãos partidários.
Neste quadro, não admira que, além da indicação do cabeça de lista para as europeias - um candidato forte e combativo que fala para a esquerda, como convém ao PS nesta fase - a direcção socialista tenha visado inimigos externos, até para reforçar ainda mais a coesão interna. E assim vimos o Bloco de Esquerda declarado adversário principal do partido e os media inimigos figadais do seu líder. O primeiro tem agradecido a promoção e é de toda a justiça que o faça porque António Costa reconheceu-lhe o estatuto que há muito almejava. Quanto aos jornalistas, habituados a serem bombos da festa de políticos em dificuldades, já pouco estranham. Mas a verdade é esta: por mais razões de queixa que Sócrates possa ter de um certo jornal ou de um tal canal, o caso Freeport não foi inventado pelos media. E mal seria que estes se sentissem inibidos de o tratar, independentemente de uns o fazerem com mais responsabilidade e rigor do que outros, como sempre acontece.
O mais sério e problemático para o país não é que os media publiquem faxes ou cartas rogatórias em segredo de Justiça. O mais sério e problemático é que aqueles que têm a obrigação legal de guardar esses segredos não cumpram a função que lhes está confiada. São eles que cometem o primeiro e decisivo crime. O crime sem o qual, como o primeiro-ministro bem sabe - e por isso a sua sanha antijornalistas é um erro sem sentido -, nenhuma 'campanha negra' poderia ser alimentada.
Se exceptuarmos Fernando Ulrich, que normalmente diz o que tem a dizer de modo que toda a gente percebe, os banqueiros são lacónicos e usam uma linguagem complexa que escapa ao comum dos mortais. Daí que os gestores da Caixa Geral de Depósitos tenham precisado de duas semanas para explicar a compra de acções da Cimpor, muito acima do preço de mercado, ao empresário Manuel Fino. Um "mal menor" para a Caixa, diz agora o seu presidente. Mas, além de lacónicos, os banqueiros cultivam um notável espírito de corpo. Tanto que nenhum gestor da CGD pôs em causa as decisões dos antecessores que emprestaram 500 milhões a Manuel Fino e sabe-se lá quantos milhões mais a outros 'investidores' para os aplicarem... na Bolsa. Mais grave ainda: nenhum se comprometeu a não realizar operações semelhantes no futuro, de modo a evitar 'males menores' como o que agora teve de ser corrigido com essa ninharia que são, para os gestores da Caixa, 62 milhões de euros.
Fernando Madrinha - EXPRESSO